quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Carta aberta aos meus amigos Lusos


Sigo diariamente tudo o que por aqui se vai passando neste Luso de escrita e contra-escrita. Fiquei na dúvida se deveria ou não intervir, isto é, escrever o que penso. Afinal, ao fazê-lo, estou também eu a subscrever a contra-escrita, não que esta me aflija enquanto forma de criatividade dos autores, até penso que será salutar, e se for criativa, até acaba por trazer mais diversidade a este espaço, muitas vezes carente de novas ideias e novas escritas.

O que mais me incomoda, são os ataques constantes, que diariamente surgem neste espaço. Começo seriamente a pensar que talvez não me reste outro caminho que outros colegas tomaram, sair e bater com a porta. O problema é que, e como diz o ditado,”não há nada como o primeiro amor”, e isso aconteceu comigo e com o Luso. Foi aqui que dei os meus primeiros passos a escrever para gente que desconheço, gente de outras terras e paragens com outras maneiras de ser e dizer coisas. Foi aqui meus amigos que me senti pela primeira vez escritor, bem sei que sou um escritor de letra pequena, mas mesmo assim, nem imaginam como eu fico feliz por receber um elogio. Como eu sonho e me imagino a escrever então coisas inimagináveis, e quem sabe, receber mais de mil comentários a dizer-me que as palavras são grandiosas. É este Luso dos sonhos que eu quero. Necessito de poder sonhar com cada palavra que aqui quero dizer, é aqui que eu falo para dentro de mim e digo: -José, tens que trabalhar mais, tens que ler mais, tens que te esforçar mais. É aqui que deixo lágrimas, não pensem que é só o Zé Torres que chora, eu também choro por não ter mais capacidade de escrever. Queria tanto! Meu Deus, tantas vezes me interrogo porque não apareceu o Luso mais cedo? Talvez assim eu fosse melhor escritor, talvez assim eu conseguisse um dia editar um livro, convicto de que os meus leitores não seriam aldrabados. Ainda me lembro, do dia que aqui entrei, e nem um comentário tive. A minha vontade foi desistir, partir, afinal eu era mesmo mau! Nunca iria escrever coisa nenhuma.

Apareceu o primeiro comentário, depois outro, e outros, e eu iludi-me, comecei a sonhar, e a querer escrever melhor, e sempre mais. Como estava feliz! Um dia, alguém me disse que eu sabia escrever, foi um dos dias mais felizes que eu tive no Luso, acho que me deixei ficar a olhar para a mensagem horas. Ainda hoje guardo aqui dentro o aroma desse dia, é a medalha da minha vida. Assim cresci, assim fui melhorando na escrita, e a gratidão, essa, irá morrer comigo, para todos aqueles que me deixaram os primeiros comentários. Esses, não foram os escritores consagrados do Luso, foram os “pimbas”, aqueles que mandam flores, beijinhos e abraços. Talvez alguns não saibam escrever muito bem, talvez alguns não tenham a melhor forma de estar aqui no Luso, talvez tenham defeitos, talvez alguns graves, talvez até capazes de merecer expulsões, mas porra, foram estes que me carregaram às costas, até eu ter confiança para escrever, assim, como o faço hoje. A esta gente, estou sempre com um obrigado na boca, são estes os verdadeiros fãs, foram estes que me disseram que eu era capaz, e me deram todo o tempo necessário para melhorar. “Obrigado a todos vós”, são as minhas palavras.

Depois o tempo, o bom tempo passado a escrever, deu-me a conhecer as pessoas. Ainda mais bonita ficou a escrita, lembro-me por exemplo da Cleo, que bem que escreve, adoro ler esta MULHER! Guardo desde sempre um carinho enorme por esta colega. A Dolores! Bem, desta posso dizer que sou amigo. Porra! A escrita dá-me tanta coisa, e esta mulher das Beiras, está sempre pronta a dar tudo para me ajudar a evoluir na escrita e sempre com um carinho. Que bom é falar com ela. Ana Martins! Mulher fantástica. A escrita arranja cada coisa! Quantas vezes falamos ao telefone e deixámos cair umas boas gargalhadas, e aquelas PMs a desejar uma boa noite. Que maravilha. Depois veio mais uma quantidade de gente como eu, que gosta de fazer amizades. Por último, pude conhecer o José Torres, frequentar a sua casa, partilhar da sua família e amigos. E aqui, deixem-me dizer que já muitas vezes discordei da sua linha de pensamento e de alguns dos seus textos. Mas meus amigos, sempre fomos capazes de falar, e do outro lado da escrita está realmente outro homem, um homem como eu com defeitos e virtudes, mas que me recebeu em sua casa com um abraço sincero. Poderia falar na Mar, como eu gosto desta miúda, nunca o avatar me tinha dito coisa nenhuma desta colega que tem a idade dos meus filhos. Ainda tão nova e com tantos sonhos. No Arlindo Mota, que homem fantástico, como é bom saber que colho amizade por terras do Sado, ainda guardo em prateleira distinta os livros que com amizade me ofereceu. Na Alexis, na Roque Silveira, no Cristóvão que conheci recentemente e que é um colega fantástico, no meu amigo Rogério de fradelos que maravilha de amigão, na Sãozinha, que, apesar de distante, deixa-me muita saudade. A Conceição B, a Maria João horroris causa, da Vóny, que sempre me incentivou, da Ana Coelho e do seu marido, que casal fantástico, da Vânia, que adoro, a Fátima com aquele beijo azul, sempre a fazer de mim o melhor poeta do mundo,e os meus amigos António Bernardino da Fonseca e a sua esposa Olema.

Não tenho palavras para tanta amabilidade e carinho, um gesto bonito, aquela obra que guardou para mim do encontro do Luso em Dezembro. Queiram os meus amigos saber, que a partir daí, desse encontro com este casal maravilhoso, gente que gostou de mim apenas porque me leu, essa amizade estendeu-se até á minha família, mais particularmente ao meu filho. Que gratidão maior se pode ter quando alguém ajuda um filho? Gratidão, sim! Ao Luso também, o nosso luso, que afinal faz magia. Deixem-me dizer-vos, chamem-me criança se quiserem, mas eu acredito nestas coisas, naquilo que de bom ainda há no nosso Luso. Amigos falo do Luso, falo das palavras que todos escrevem. Isto tem que acabar, esta casa não pode continuar dividida em duas facções. Todos aqui são importantes, todos fazem o Luso, todos! Os bons e os maus é que dão cor a esta casa, e nos fazem aqui voltar cada dia. Por mim aqui vos digo, eu não tenho lado, nunca terei, a todos eu devo esta minha felicidade de escrever, a todos. Nunca me irão ler que não mais comentarei este ou aquele, mas também não contem comigo para apoiar insultos à vida pessoal dos autores. Deixo apenas uma sugestão: se realmente querem cortar relações com A ou B, o que também me parece que daí não vem mal nenhum ao mundo, usem as MPs. Afinal são os vossos assuntos, e que só a vós vos diz respeito, e que eu, enquanto utilizador deste site para escrever nada me interessa.

Caros Colegas de escrita, deixo-vos aqui estas minhas palavras para vos dizer que todos são importantes, todos contribuem para esta minha vontade de vos dizer que sem vocês eu não era nada, creio mesmo que nenhum de nós era nada sem os leitores! Eu gosto de escrever e gosto de vos sentir perto da minha escrita.

sábado, 25 de setembro de 2010

São os brasileiros mal tratados no Luso?

Pedro Américo - Grito do Ipiranga

Estes dias um colega meu aqui do Luso, fez referência a um tratamento menos elegante por parte dos portugueses aos usurários brasileiros, assim como aos que por opção, optam por uma escrita de cariz religioso. Bem, falarei por mim que não sendo ninguém neste site de escrita, já levo nesta casa cerca de ano e meio e a única coisa que me apraz dizer é o seguinte: Vou começar pela descriminação religiosa. Muitos autores tem tendência para recorrer diariamente na sua escrita a mensagens de cariz religioso, nada a opor, a liberdade de escrita também inclui este ramo, religioso, no entanto, é bom lembrar que quando se faz uma saudação de uma determinada religião, seja ela qual for, do outro lado pode estar uma pessoa que não quer saber da religião coisa nenhuma, ou tem mesmo uma outra religião. Que fazer?

No meu entender mandar uma MP ao seu colega e pedir para não incluir mensagens religiosas nos comentários aos seus textos. Aqui, termina uma liberdade e começa outra, apesar daquela teoria de que quando postamos alguma coisa passa a ser pública, volto a reafirmar que tenho as minhas dúvidas sobre esta teoria, ou pelo menos de parte dela. Se um autor já pediu para não haver manifestação nos seus textos de uma qualquer palavra ou mensagem de cariz religioso, na minha opinião deve ser respeitado, mesmo sendo esta pública. Liberdade é isto mesmo, respeitar o espaço dos outros, reparem que não estou a falar do contraditório de opinião, apenas num tipo de escrita ou mensagens, que pode mais parecer um novo método de pregar o evangelho porta a porta, como nós bem conhecemos aqui.

A escrita é livre, façam-no como entenderem, o texto é vosso e só lê quem quer (obviamente com aquelas ressalvas todas que já sabemos). Mas em boa verdade, desde que estou aqui nunca assisti a um único conflito sobre este tema, até pelo contrário sinto uma grande tolerância religiosa, até por aqueles que não querem saber de Deus nenhum. Por isso, creio que a questão é muito mais uma questão pessoal, e da qualidade da escrita, do que propriamente um problema religioso. Mas passemos em frente que esta não é a questão principal, aquela que de vez em quando aparece aqui no luso sempre que há problemas entre autores. Muitas vezes esta questão parece-me mais aqueles jogos políticos, onde cada facção tenta encontrar mais apoios para a sua causa, é nesta altura que surgem sempre umas afirmações que enquanto utilizador deste site, me preocupam.

Acredito que de forma pontual, um ou outro autor possa ter num ou noutro escrito um desempenho menos digno com um ou outro colega escritor, no entanto, não creio que essa indelicadeza tenha por base a sua nacionalidade. Acredito, que muitas destas indelicadezas tem muito mais a ver com a qualidade da escrita do que outra coisa qualquer. No entanto, não senti nunca que houvesse um ataque organizado aos nossos colegas do outro lado do atlântico. É claro que estou a falar por mim, autor, escritor, usurário seja lá o que queiram entender, mas jamais eu calaria a minha voz, se um dia sentisse que um qualquer grupo de portugueses tentasse ferir um qualquer cidadão brasileiro de uma forma organizada. O que aqui já assisti, e várias vezes, é uma discussão pela palavra “dita” portuguesa e a “dita” português do Brasil. Mas meus amigos, o Luso é diferente do que se tem passado em Portugal e no Brasil nas discussões infindáveis sobre o acordo ortográfico? Não, não é! Mas não vejo que daqui venha mal ao mundo, cada “facção” deve lutar por aquilo que entende melhor para uma língua que afinal é usada pelos dois países. No entanto, o que eu quero aqui dizer é bem mais fácil do que essa retórica que os autores ou utilizadores querem fazer crer ao escrever. Eu, enquanto usurário desta casa que tanto gosto, nunca permitiria um qualquer tratamento humilhante a um colega meu aqui no Luso, fosse ele brasileiro ou chinês.

Tenho gente do outro lado do mar que gosto muito, e com alguns, incrivelmente, parece que já nos conhecemos desde sempre, tais são as afinidades criadas aqui no Luso. E não me venham com histórias de que há deste lado gente má e do outro só gente boa. Há gente má aqui e lá, e todo o Luso sabe disso, e a única solução é dar-lhes o caminho todo. Por mim, sei exactamente qual é o meu papel aqui dentro do site, e sempre que sentir que algo menos correcto possa existir de uma forma organizada e que vá contra os meus valores, intervirei. Se forem questões pessoais entre colegas, ficarei no meu lugar, quieto. A liberdade deles não é menor do que a minha. Assiste-lhes esse direito de confrontarem ideias. O bom senso não se ensina, a usurários que na sua maior parte já são chefes de família, terão que ser eles a descobrir esse bom senso, até porque é a única forma de serem tolerados neste crivo diário que vamos fazendo muitas vezes injustamente. Por mim vos digo, nem sei se há brasileiros neste site, talvez porque fui habituado a gostar das pessoas independentemente do que elas são ou onde moram, sei apenas, que há gente aqui que mora no Brasil, bem longe da minha casa, e isso realmente não gosto, gostaria que vivessem mais perto deste meu poiso, assim, talvez eu pudesse ir beber um “choupinho” com os meus amigos brasucas.

Aqui fica uma das poucas coisas que eu não gosto do Brasil. A distância mata-me! Mas a raiva de não lhes poder dar um abraço ultrapassa o acordo ortográfico e qualquer diferença do português. Para terminar digo-vos apenas que um dia estava eu no Brasil numa daqueles bares rodeados de palmeiras e sol e um funcionário perguntou-me se eu era argentino. Fiquei mau, apetecia-me dar-lhe uma boa coça. Eu falo espanhol?

José Luís Lopes

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Amigo

 Amizade - Pablo Picasso

Amigo, bem sei que esta palavra é muito complicada, mas eu gosto demais destas cinco letras juntas. Trouxe-as de um tempo distante, aprendia-as em minha casa, estas palavras têm que ser primeiro aprendidas em casa, para depois poderem ser usadas numa rua qualquer, num café, num encontro de amigos, num jantar, ou até mesmo aqui, no Luso. Interrogo-me o porquê de valorizar tanto estas palavras, e tento encontrar razões válidas para ter a certeza que esta minha satisfação seja eterna. Quero continuar a ter esta palavra Amigo como companhia, assim poderei sempre usá-la para fazer dos meus amigos ainda mais amigos. Esta palavra é realmente fantástica. No passado, a educação era muito mais severa do que nos dias de hoje, mas agora que estou na meia-idade, percebo que afinal, aquela que eu tive não foi assim tão diferente do que os pedagogos escrevem por aí nesses livros, onde quase sempre se distinguem por saberem tudo, mesmo aquilo que não se consegue saber. Mas esta gente é assim, tiram um canudo qualquer e depois fazem da educação uma coisa nova, esquecem-se que tem tantos anos como o homem. O meu Pai apesar de vestir a figura de chefe de família, como na altura se exigia incessantemente, foi capaz de compreender a minha juventude, e conforme eu ia crescendo mais ele me verbalizava que também já tinha sido jovem.

Sempre que tinha oportunidade lá me ia dizendo que a vida era uma coisa séria, e era necessário ter umas quantidades de virtudes para singrar neste mundo sempre complicado. A educação era feita com intervenções pontuais, o beijo do bom dia com o romper do dia, o beijo da boa noite com a ida para a cama, o respeito pelos mais velhos, bem uma panóplia de coisas que hoje parecem estar em desuso para muito boa gente, modernices, coisas que naquele tempo não cabiam na maneira de ser dos mais velhos. Mais tarde, já eu me parecia mais com um adolescente responsável, obrigava-me a cumprir uma quantidade de regras mais de acordo com a barba que ia crescendo, lembro-me de uma que me revoltava, era filho do patrão, mas o horário de trabalho tinha que ser comprido religiosamente. Tínhamos de dar o exemplo. Este era o meu Pai, chefe de família, dono de uma responsabilidade que era a de fazer de mim homem. Depois vinha um outro Pai, aquele que apenas eu sabia que estava lá, intuição de filho creio eu, mas talvez pela juventude incapaz ainda de perceber verdadeiramente aqueles sinais de proximidade.

Só mais tarde a idade me deu essa sabedoria. Este era o meu pai amigo, aquele que compreendia a minha juventude, este Pai era o máximo, tenho tantas saudades desse tempo. Ó meu Deus, seria bom ter apenas mais uma oportunidade para lhe poder dizer tanta coisa que ficou por dizer. Sei que nada posso fazer para voltar ao passado a não ser escrever, escreverei então. Quando eu chegava com o romper da manhã a casa, feliz por poder estar com os meus amigos nas borgas, ele esperava-me no cimo das escadas, e perguntava: – então! a noite correu bem? Hoje deve ter sido uma noite fantástica pela hora! Eu lá lhe respondia da maneira que sabia, pouco há para dizer a um Pai nestas circunstâncias, pensava eu. Hoje, talvez lhe explicasse um pouco mais da noite, talvez lhe dissesse uma das muitas ocasiões que me tinha rido entre os amigos, hoje, eu sei que ele compreenderia muito melhor do que eu imaginava o que é a juventude. Nunca mais me esqueço do dia que tirei a carta de condução. Com carta, com carro, e já com o meu ordenado, ele sabia que naquele fim-de-semana o automóvel comprado por ele seis meses antes não iria parar. Eu era jovem, e a energia aliada à alegria da conquista de mais um meio para voar não daria descanso à viatura.

Abriu a carteira e deu-me uma quantia de dinheiro que dava para encher o depósito umas quantas vezes. Só um Pai diferente saberia ler a minha juventude naquele tempo, os meus sonhos. Liberdade com máxima responsabilidade. Amizade foi o que sempre houve no meu Pai, tanta que hoje toda aquela que eu tenho de nada vale, é miserável, não fiz nada por ela, herdei-a, nem trabalhei para a ter. Sou afinal um miserável de homem que ainda tem tanto para fazer. Um dia, já o meu Pai doente, e velhote, deslocava-se a um banco na minha cidade, um sujeito na casa dos seus quarenta anos, dirigiu-se a ele e disse:

-Sr. Lopes, o Sr. não sabe quem eu sou, mas eu sei bem quem o Sr. é. O Senhor, sempre me oferecia dois rebuçados em criança, e nem imagina como isso era fantástico! Chorei ali a seu lado, o meu Pai sempre trazia rebuçados para as crianças no bolso, no tempo em que nem os ricos os comiam. Fazia acontecer milagres, estes que eu hoje ainda acredito. Hoje, ainda guardo a inveja que todos os meus amigos me tinham por eu ter um Pai especial, também eles eram servidos pela compreensão. Eram até estes que lhe davam conta dos nossos maiores feitos na noite bracarense, coisa que o meu Pai sempre respondia com um sorriso e com uma palavra de um homem que não envelhecia. Este homem que tinha passado as “passas do Algarve” queria para o seu filho aquilo que nunca teve.

Por isso, quando vejo por aqui gente a desdenhar da amizade, a culpar o mundo, a desconfiar das virtudes das pessoas, eu sempre tenho um truque em memória para apagar o mau estar que me provocam, lembro-me do meu Pai, da minha casa, do labor que ali havia para fazer os filhos mais felizes. Que melhor posso eu crer? Para esses, que estão de mal com o mundo eu deixo um conselho, e se nunca tiveram uma casa onde a palavra amigo era servida diariamente entre sorrisos e carinhos, não venham com morais bacocas para cima de mim, esforcem-se, coloquem a inteligência de parte, as diferenças e façam a sua própria casa, com esse valor de amizade. Talvez assim deixem de desconfiar do mundo, talvez assim se encontrem, e quem sabe conseguem escrever poesia sem rima, daquela que sai do coração, sem mecânica e sem desconfiança.

Eu, por mim digo-vos não valho nada, tudo que tenho foi-me dado pela minha casa, esta tinha uma família que agora sinto cada vez mais forte. Aos meus filhos, quero que saibam tudo do avô, a avó ainda é viva e feliz. Já de mim sabem quero que saibam que gosto da juventude deles, gosto dos jovens, de todos os jovens, principalmente daqueles que tem sonhos, gosto de os ver felizes, gosto de os ver sorrir, gosto que me olhem nos olhos e saibam que também eu um dia fui jovem, com amigos, com noitadas, com palermices, com um milhar de coisas que apenas se encontra nesse tempo. Agora, tudo faço para os compreender, mas não têm que me agradecer nada, eu nada fiz, têm de agradecer ao avô, Lopes. Ainda hoje, o lugar dele está por ocupar, por isso é que não deixo ninguém tratar-me por Lopes, não sou, nunca estarei confortável com esse nome, mas sou um José Luís que gosta da palavra amigo, em minha casa ou no Luso, não somos num lado, o que não somos no outro.

Aos que desconfiam desta palavra aconselho-os a deixar a poesia, esta é feita de palavras amigas.

domingo, 12 de setembro de 2010

Um dia de sol

O sol - Edvard Munch

Sabes quantas vezes tento descobrir o sol num dia de sol? Ainda hoje, lembrei-me de o ver, abri a janela e lá estava ele: grande, brilhante, amarelo e a sorrir. Pareceu-me que estava naqueles dias de aquecer todos aqueles que se abrigassem no seu manto amarelo. Abeirei-me dele e sussurrei-lhe uma graça, disse-lhe que tinha uma dor de dentes num monte distante. Pedi-lhe para desviar um dos raios mágicos que me tocou com humor para outra direcção. Senão puder ir pelo seu pé, apanha um táxi. Quem sabe possa levar um analgésico para fazer da solidão uma montanha de palavras com sentido ao som de um violino suíço.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Quase Outono


(imagem, André Louro de Almeida)
*
Se me encontrares perdida no topo de uma montanha, vê-a como um refúgio para os males de que padece a minha alma. Diz-lhe que também tu procuras um poiso, toca-a como se tocasses uma nuvem que descansa sobre as margens de um rio e diz-lhe de um mundo que ruiu a seus pés. É quase Outono! Contudo, ainda não sei onde semeei a dor que me traz e me leva ao centro onde mora a minha vontade. Creio que me esqueci de mim, ou que me fui embora numa viagem sem retorno.

Se todas as sementes fossem lançadas na terra e deixadas ao acaso numa sementeira composta debaixo da terra molhada, fariam a grande travessia anexada à vida que se encontra como o restolho nas baixas marés. Quem sabe veria os meus pés criarem raízes, e subiria tão alto como a gigantesca floresta dos Himalaias e ficaria lá para a eternidade. Falaria com todos os ventos e todas as tempestades que meus olhos viram, quando me perdi nas diferenças entre ser o amor, ou ter o amor prostrado aos meus pés. Quem sabe, saberia distinguir como escalar uma montanha e plantar temporais, esperando que algum momento me trouxesse à vida. Avanço na medida exacta do meu pensamento, mas nada me fará erguer os braços e nem apontar na direcção onde reside o mal, a não ser que esse mal tenha criado raízes e vicissitudes à custa de um mal ainda maior, que é saber onde perdi a fé; se no interior de cada um dos meus sonhos, se na nascente de onde vieram as minhas lágrimas irrigando a terra seca, onde enterrei o meu corpo. Há momentos que me trazem outros, mas esses, eu renego porque me sinto como um meteorito a rasgar as entranhas da terra, que me mostra tantos outros caminhos e eu nada vejo. Fechou-me os olhos para sempre, esta cegueira migratória por não se saber digna do maior bem que reside abaixo dela - a liberdade de criar raízes e voar rumo ao céu onde me espera a minha alma.

Se ao dar um passo em frente, me encontrar bem no meio do círculo desenhado pelo meu ângulo de visão, esse será sempre à custa de novos traços, equiparados ao movimento que a minha alma dá, ao acordar no cimo da montanha. Mas se der um passo em falso, e cair no vácuo onde enterrei o meu corpo, isso será um sinal, de que o retrocesso é imediato e a dor que caminha ao meu lado, me levará à terra onde meu corpo descansará até a próxima colheita.


Dolores Marques