terça-feira, 31 de agosto de 2010

Carpideiras

COSTA JÚNIOR - 'Carpideiras'

Em tempos idos, contratavam-se para incorporar os funerais, umas senhoras pagas que tinham como função, chorar para fazer crer que o defunto era muito querido no seu habitat. Davam pelo nome de carpideiras. Nome pomposo, bem engendrado, tinham quase sempre trabalho assegurado e assim, viviam à custa da desgraça dos outros. Esta treta toda para dizer que aqui no Luso é o contrário, o carpideiro, não chora, nem lágrimas tem, veste-se de escritor e escreve imaginando que sabe redigir com afinco, as palavras difíceis.

Busca-as constantemente nos dicionários dos consagrados, traz umas quantas para a sua algibeira, mistura-as, e vai colocando uma a uma acreditando que vem da linhagem do Eça, inclina a folha sempre que imagina que vai botar algo especial para o papel, capaz de arrebatar um qualquer prémio literário. Este (papel) não acaba em nenhum Top de autores, mas acaba por se tornar mártir, pelos maus tratos a que esteve sujeito. Pendurado no poder, arroga-se em dores que não lhe pertencem, imaginando que a distância entre a folha e o papel o protege dos maus vizinhos. Vive à custa dos outros e de favor em favor, lá lhe dão um premiozinho encomendado.

É a vida de um tareco com mangas-de-alpaca, nada que não seja notícia nos nossos telejornais. Diariamente, são eles os Job for the boys, traduzindo em linguagem poética dá mais ou menos – trabalho para os que não sabem fazer merda nenhuma. Isto é, vive também á custa do que os outros fazem. Assim nasceu este meu texto, alinhavado ao menino que se julga homem, ao roto que ainda não descobriu que vai nu, ao pobre coitado, que, ainda não descobriu que a escrita serve para agredir, mas também, serve para levar com as palavras aguçadas por escribas como eu, que não querem coisa nenhuma, de gente que não é coisa nenhuma. É bom que se habitue ao contraditório, é bom que não veja no avatar fraquezas, é bom que saiba que a injustiça me fará perfilar na dianteira das palavras e de lança na mão, defenderei com honra a verdade, mas principalmente os mais indefesos e que em mim acreditam.

Quanto aos mangas-de-alpaca que por aqui gravitam, podem sempre escrever o que bem entenderem, eu gosto, e cá estarei para as curvas. Jamais ficarão sem resposta, verão até onde vai o tamanho da minha pena.

domingo, 29 de agosto de 2010

Esta mania de dares pérolas a porcos

Diz o “poeta” que teima em escrever: A grandeza da escrita passa pelo não silêncio. Diz o provérbio chinês: “Nada digas quando o saber te diz para permaneceres em silêncio”. Porra, já não basta a loja dos chinocas e agora ainda tenho que lhes aturar os provérbios. Como não digo o que quero dizer sem dizer? Esta coisa de pensar é uma chatice enorme, digo eu que gosto de provérbios sábios que não interfiram com a minha liberdade. Se nada deves dizer ao Poeta que sabe escrever, como faço para que o Poeta, que teima em escrever, saiba que nada me obriga intelectualmente a nada lhe dizer? Vou ter que lhe dizer, imperativo de ordem moral. Porra, isto está a ficar confuso para mim. Logo, tudo que eu penso sobre os provérbios cai por terra ao dizer ao Poeta que sabe escrever, e nunca mais vou poder guardar provérbios como exemplos de vida. Merda, a minha casmurrice obriga-me a fazer isto ao Poeta que teima em escrever. Já não é só o imperativo moral que está em causa, mas a minha capacidade de jamais vender a minha liberdade. Nasci selvagem e assim morrerei. Pensando bem, vou arranjar uma tripla maçada. Se opto por cumprir o provérbio fico a remoer. Fico aborrecido comigo, mas cumpro o provérbio sábio. Os remorsos irão corroer-me por dentro até que a alma vomite a covardia. A opção seguinte, é deitar para trás das costas o provérbio e faço do Poeta que sabe escrever, o que sempre faço com todos aqueles a quem tenho algo para dizer: digo na cara, sem medo das canetas, do génio, das artimanhas, das facas e canivetes, das multidões, dos tarecos e até dos lampiões que alumiam a passadeira vermelha. A última opção e realmente a mais sábia é mandar-me abaixo de Braga e digo-me: és um poeta da merda que tentas escrever mas não fazes da escrita a tua vida, não ganhas dinheiro com ela e pelo contrário, dás a ganhar. Tens sempre que pensar e dizer o que pensas e acabas por gastar tempo com poetas que ainda são menos do que tu. Esta mania de dares pérolas a porcos. Sendo assim, com os tarecos jamais perderei o meu tempo, só falo ao chefe e quando eu entender. Deste corpo com alma, apenas conheço a minha vontade, o resto, são restos que caminham por aqui, buscando a glória que nunca tiveram. Haja piedade pelos moribundos que escrevem.

José Luis Lopes

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Namoro a cavalo (Álvares de Azevedo)




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Voz: Frederico Salvo
Musica incidental: "Espalhafatoso" - Ernesto Nazareth

*****

Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça
Que rege minha vida malfadada
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.

Alugo ( três mil reis) por uma tarde
Um cavalo de trote ( que esparrela!)
Só para erguer meus olhos suspirando
À minha namorada na janela...

Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Algum verso bonito...mas furtado.

Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento...
Se ela quisesse eu acabava a história
Como toda Comédia – em casamento...

Ontem tinha chovido...Que desgraça!
Eu ia a trote inglês ardendo em chama
Mas lá vai senão quando uma carroça
Minhas roupas tafuis encheu de lama.

Eu não desanimei. Se Dom Quixote
No Rocinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada...

Mas eis que no passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me todo lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela...

O cavalo ignorante de namoros
Entre os dentes tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo
Com as pernas para o ar, sobre a calçada...

Dei ao diabo os namoros. Escovando
Meu chapéu que sofrera no pagode,
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.

Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...


Álvares de Azevedo


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domingo, 15 de agosto de 2010

Poemas de amor

Vincent van Gogh (1853-1890). "Arles - Dois Amantes"

Há por este mundo fora, uma quantidade de “poetas” a compor poesia de amor. Alguma poesia muito boa, outra má e depois inevitavelmente, como em quase tudo na vida, e sempre em grande quantidade, os que a fazem mais ou menos. No entanto, toda esta poesia tem o mesmo propósito: estabelecer com as palavras conexões de afectos capazes de transmitir ao leitor a alegria ou a tristeza que vive em cada poeta.
Temos então várias nuances de poemas de amor: alegres, tristes, saudosos, nostálgicos, religiosos e até diabólicos. As palavras escolhidas à lupa pelos autores é que determinaram o estado de alma de cada texto e o sentido que lhe querem dar.

Testemunho, felizmente, todos os dias esta realidade aqui neste nosso cantinho das palavras. Gente fantástica, sincera, linda, sensível, tocante, com palavras eloquentíssimas, cantam o amor, desenterram-no de lugares inimagináveis e transformam o sentir em autênticos tratados do bem escrever sobre o amor. Arremessam-nos para êxtases do mais puro encantamento, libertamos momentaneamente toda a bondade existente dentro de nós, sentimo-nos felizes por podermos ler e sentir algo que nunca imaginávamos capazes de sentir por intermédio de um conjunto de palavras.
E é com esta poesia escrita / cantada sobre o que é amor que Homens e Mulheres escritores se tornam Deuses para os leitores.

O leitor está sempre ávido de saber sempre um pouco mais do amor dos outros para tentar juntar ao dele, quer este leitor guardar estas palavras e quem sabe um dia usá-las também junto do seu amor. Afinal de contas, quantos leitores não se sentiram também eles magoados com o seu amor? Quem não sofreu já com palavras de amor ditas e não correspondidas? Ou então palavras de amor que nunca tiveram a coragem para sair de encontro ao amor apenas porque tinham medo de o perder? Estes leitores somos todos nós que estamos afinal, sedentos de uma poção mágica, queremos apenas um conjunto de palavras que nos faça sentir somente bem, felizes por uns breves momentos.

Estes autores passam então a figurar nos nossos favoritos e, mesmo sem os conhecermos ficamos, agrilhoados aos seus textos, sentimo-los parte de nós, sentimos então assim como “coisa” nunca imaginada mas que agora é como se fosse nossa desde sempre. Sentimo-nos finalmente em casa de nós mesmos e tudo à custa das palavras de outros, é a poesia no seu melhor.
Mas depois, quando caímos em nós, e compreendemos que a leitura afinal tem um fim, e as histórias de amor de verdade nunca acabam, percebemos que a grande parte dos poemas de amor, mesmo os bons, esquecem-se do mais elementar para se tornarem num poema de amor verdadeiro: de nos fazer chorar, contar o nosso amor em lágrimas.

Um poema de amor tem que ser como um filme, tem que ter dentro de si a vida vivida, o sacrifício partilhado, o perfume das primaveras aprimoradas de mãos dadas, tem que ter o tempo que foi conquistado ao tempo de cada um, tem que ter o brilho da vida com os sorrisos do momento em que foi construído o amor.
O amor não nasce com um estalar dos dedos, é necessário um momento mágico, aquele que ditará todos os poemas que um dia vamos querer escrever e que nunca será o nosso melhor poema, apenas porque fica sempre aquém do amor que sentimos, só as lágrimas soltas no momento da escrita são capazes de nos dizer que, afinal, ainda estamos a viver aquele momento mágico de amar.

Então choramos, choramos não muitas lágrimas, não são um pranto de um tempo irremediavelmente perdido, são mel das memórias, da graça de termos tido aquilo que continuamos a pensar que por graça de Deus ou destino, fomos, afinal, abençoados com a única pessoa no mundo capaz de transformar lágrimas salgadas em doçura. E, por muito frugal que cada letra seja ela é capaz de exprimir o que, afinal de contas, nunca dirá por culpa do amor; estamos ainda apaixonados e o poema quando termina, mesmo a dizer que é um hino ao amor, tem que continuar a ser ainda poema. Fechamos os olhos e lá está ele, arrebatador, nascido do que de melhor há em nós: o Amor único, pelo único amor da vida – O verdadeiro.

E mesmo na mudez das palavras, nos silêncios, quando todas as imagens do infinitamente amor nos fazem tremer, o poema continuará a dizer, como eco da montanha mágica onde todos os Deuses se reúnem para abençoar as palavras verdadeiras, “é poema de amor porque é feito de amor, para o único e verdadeiro amor da minha vida”.
Um poema de amor tem de dizer: estou aqui amor, estas palavras são para ti, são puras e reclamam que chores comigo; sente-me, hoje estou assim, choro porque quero ser o teu poema de amor-perfeito.
Um poema de amor é intemporal e terá que dizer sempre: sou e serei sempre teu eternamente. Todas estas palavras juntas, são apenas para te fazer sentir especial, mais especial do que ontem, em que ainda não tinha escrito este poema de amor, mas já o sabia desde a primeira vez que te vi.

Um poema de amor tem que saber dizer: agora tu também sabes desta minha dor interminável, ainda é a mesma, aquela dor de que um dia te falei. É a dor que corre dentro de mim, na tristeza do dia em que te disse mas na alegria das minhas memórias, mas não interessa porque hoje tenho este poema de amor que é apenas o meu poema de amor para ti.
Um poema tem que ter toda a vida, aquela que está, afinal, em cada sílaba, tem que ter a cor e a fantasia que a vida sempre cria com o nascer do sol, tem que ter aquele - SIM ACEITO, especial, que nos obriga para sempre a tudo se tornar num poema de amor.

Um poema de amor é uma confissão que olhos não necessitam de ver, é um tratado de amizade tão especial que nenhuma palavra do mundo é capaz de dizer o que afinal deveria ser um poema de amor entre todos os homens e mulheres que nascem um para o outro.
Um poema de amor tem em cada palavra uma mão que te afaga e, entre cada palavra, nos espaços vazios, estão os segredos que não podem ser contados, porque são segredos de amor verdadeiros, que só tu e o teu amor os compreenderão.
Um poema de amor é um foral de lealdade selado pelo acariciar das mãos, pelo tocar dos olhos, e dos lábios nascer apenas a palavra mais verdadeira e que apenas o momento de todos os momentos da vida é capaz de construir, amo-te meu amor, amo-te muito.

Nasceu então um poema de amor eterno, e mesmo que mais ninguém o saiba ler, ou apenas dizer eu também gostaria de ter este poema de amor como meu, não interessa, é o teu poema de amor, aquele que tu irás acariciar para toda a vida.
Um poema de amor pode até nunca ser lido ao amor da sua vida, mas não importa, bem lá no fundo, o poema sabe que existe porque o verdadeiro e único amor continua a ocupar a vida de quem escreve apenas por amor. As estrelas no céu, essas, sabem escuta-lo e, passarão a brilhar ainda mais com as lágrimas que correm do poema.


Este texto nasce após leitura do poema “AQUÉM” da nossa colega Luso, Ana Martins. Dedico-lhe esta minha reflexão em forma de agradecimento pelo belíssimo poema com que presenteou os seus amigos e leitores. Obrigado por fazeres parte deste nosso escrever.


AQUÉM

Esquálidos versos
cinzelam minhas mãos
Nunca uma rima
mitigará a pena
gravada no peito
Nunca uma estrofe
espelhará a dor
da tua ausência
Nunca um poema
será um hino
justo e perfeito
ao nosso amor.


Três de Março de 1980, terça-feira de Carnaval, num pequeno baile de garagem havia uma menina com 15 anos muito bonita, a mais bela de todas as meninas que naquele dia dançavam alegremente. A essa menina, de seu nome Maria João, pedi-lhe que me concedesse o prazer de uma dança. Bailamos, bailamos, sempre cada vez mais amarradinhos, tão amarradinhos que fui obrigado a pedir-lhe que namorasse comigo (era assim no passado). Passaram trinta anos e continuamos amarradinhos. Este texto também é dedicado a esta mulher fantástica que gentilmente partilha a minha vida.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Entre uma palavra e um sorriso

(foto D.M.)


Pela forma como me divido entre um sorriso e um afecto partilhado à mesma mesa dos que me quiserem ouvir, sentir e ver sorrir, está a verdade absoluta de ser eu num momento, ou eu num lamento, enquanto espero por um sorriso grandioso, que me faça ir e voltar sempre ao mesmo ponto de onde parti. Continuo a mesma a cortar o ar que respiro, só, na consolidação do tempo em que me esperava, e não me via a chegar, junto a todos os que queriam partilhar a vida de mãos dadas. Dou-as a todos os que as quiserem pegar e sentir, quantos gestos e quantas palavras, elas marcaram num conjunto diversificado de formas, que me levem a acreditar num sorriso genuíno, mas não me peçam para sentir nas palavras, o que nenhum olhar distingue. O que a minha alma me diz, enquanto elas se desmistificam, faz de mim um ser em permanente evolução. Serei sempre a parte que doarei inteira num mundo obscuro de formas e lugares, entre os demais que me quiserem seguir, serei sempre o centro, onde reside a vontade, mesmo que anulada ou estrangulada, até que me ouça num novo mundo, até que me distinga eu e só eu, na verdade das palavras ainda por escrever.

Invento-me para que me vejam mais do que simples palavras, e dou-me numa só, aquela que sempre direi, enquanto espero por todas as que se querem só palavras, quando já nada há para escrever. Ditá-las de uma forma inconsequente, é transformar os modos em formas indecifráveis, capazes até de destruir todos os sorrisos que se prestam a seguir-lhes os passos. Nada mais terei para dizer, nem tão pouco escrever, se não souber ouvi-las através da minha voz interior, que não se ouve, nem se vê e nem se sente a palmilhar o chão que meus pés pisam. Contudo, elas estão lá, sempre que fechar os olhos e conseguir decifrar as cores que as transformam em telas refinadas na arte de bem dizer.
(Caminho com elas ao teu lado, para que me decifres na quietude de todas as palavras que se encontram disponíveis, para que no silêncio, se renovem e se expandam através da criação de outras que ainda falta escrever).
Temo por elas, e por nós, seres amorfos, amortizados no mundo dos vivos e condicionados ao mundo dos mortos. Tão moribundas como nós, serão avivadas por todos os sorrisos do mundo que já viram e ouviram um sorriso profundo, chegado da viagem mais fantástica - aquela que nos eleva ao mais alto grau de sabedoria, através de todas as palavras que ainda não se escreveram, mas que esperam o grande dia, a magnificente hora de um longo sorriso, a quebrar as normas impostas por todos os que fazem das palavras, uma sátira de momentos perdidos.
Dolores Marques