sábado, 4 de dezembro de 2010

O palhaço que não ria

Januário acabara de se sentar na mesma pedra que durante anos com ele escutava o silêncio do rio. Era ali, que todas as manhãs recebia o nascer do sol e com ele as vestes de mais um dia, igual a todos os que deixou para trás.
Um homem, que todas as noites pintava o rosto, subia ao palco e oferecia gargalhadas, as crianças vibravam, os adultos perdiam a noção do tempo envolvidos nas hilariantes palavras que de improviso o palhaço largava entre tombos e cambalhotas atribuladas.
O sol despia os raios nas serenas águas a deslizar pelas margens que agora estavam adornadas por cimento, construção humanas que reinventaram a aparência desta paisagem. A transparência do rio já não era hoje o que foi outrora, mas os sons eram os mesmos, melodia que conhecia os timbres do coração deste solitário homem. Quarenta anos, são muitos dias muitas horas no mesmo navegar.
A imagem de Elvira estava gravada nas correntes do rio, assim como as últimas palavras que trocaram com os rostos salgados e os lábios húmidos de um longo beijo…
- Porque partes tu?...Fica, é aqui que o futuro te espera e a felicidade está esboçada nos rostos rubros ciosos de partilha.
- Do lado de lá do oceano estarei sempre a escutar os mesmos sons do mar, contemplarei os abraços fogosos da areia nos dias de tempestade marítima. Olharei o sol nascente e o teu sorriso será o alimento do meu destino. – Respondeu Elvira escondendo no sótão da alma a tristeza e revolta desta viragem do destino.
- Não voltarás, e eu não irei…é aqui que distribuo felicidade, é aqui que tenho o coração acorrentado…o destino é um traço que não se apagará mas que será ténue em todas as auroras, o teu rosto será a utopia de um mero vendedor de sonhos que o seu sonho não pode definir…
A jovem apertou ainda com mais força as mãos do seu amado, beijo-lhe os lábios…e correu, correu sem deixar que o olhar voltasse atrás!
Estas imagens eram a película infindável dentro do âmago de Januário que cumpria o ritual da solidão em todos os segundos da sua existência desde o tempo que o vento lhe limpou as faces. Não chorava…mas também não ria, havia esquecido como rasgar os lábios em sã alegria.
Contudo assim que o seu olhar encontrava uma imagem humana, sorria, vociferava palavras de ânimo e atirava aos amigos os melhores gestos de felicidade.
Pelas ruas, já se movimentavam os quotidianos do dia, os carros avançavam rapidamente e as pessoas atropelavam a pressa em correrias que Januário conhecia no rigor da sua sensibilidade apurada pelo silêncio que vestia sem urgência…
Ergueu-se.
-Até amanhã! – Vociferou com o olhar voltado ao sol.
Então caminhou em direcção a casa onde iria preparar mais um espectáculo para essa noite…As luzes da ribalta aguardavam mais um rufar dos tambores, os holofotes intensificavam-se em cada cadeira que se preenchia, nenhuma ficava vazia sempre que os seus pés pisavam o palco!

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